Lula desembarca em Honduras para participação na Celac

Apr 9, 2025 - 16:47
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Lula desembarca em Honduras para participação na Celac


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Honduras nesta terça-feira (8) à noite para participar pela terceira vez no atual mandato da Cúpula da Comunidade de Países Latino-americanos e Caribenhos (Celac). Lula levou a Tegucigalpa um discurso voltado a demonstrar repúdio às políticas comerciais e migratórias do presidente americano Donald Trump, assunto incontornável uma semana após o tarifaço global e diante da deportação em massa de imigrantes de volta aos países latinos.

Uma reação conjunta do bloco a Trump, no entanto, é considerada improvável pelo Itamaraty, dado o quadro de fragmentação política da região. A viagem é vista no governo como uma forma de Lula mandar recados em defesa das regras de livre comércio, do multilateralismo e da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Integração regional

O petista quer recuperar influência e mostrar que dá prioridade à integração regional, além de apresentar prioridades para a COP-30, em Belém. O presidente deve aproveitar para mostrar interesse do Brasil em maior participação nos mercados regionais, como fornecedor não somente dos produtos do agro, mas também de manufaturados e semimanufaturados.

Os países da Celac têm uma corrente de comércio de US$ 86 bilhões com o Brasil. Para o governo, a guerra tarifária trumpista pode favorecer a América Latina, com o aumento da integração comercial entre países punidos pelas taxas americanas Os membros do bloco têm no total um mercado consumidor de 670 milhões de pessoas, mas como o poder de compra da maioria desses países ainda é baixo, essa integração, na prática, seria pouco rentável.

O petista vai precisar contornar divergências políticas. Desde que voltou ao poder, Lula tentou reativar organismos regionais de coordenação, mas as diferenças se sobressaíram. Nessa linha, o petista foi às cúpulas anteriores da Celac na Argentina (2023) e em São Vicente e Granadinas (2024); convocou presidentes sul-americanos a Brasília para relançar a Unasul, o que não conseguiu fazer; prestigiou as reuniões periódicas do Mercosul; e organiza em 13 de junho uma recepção ampla aos líderes de países do Caribe.

Trump na mira

Embora os EUA não façam parte da Celac, a pauta da “nova presença americana” na região deve dominar as atenções. No governo brasileiro, existe a interpretação de que Washington deixou para trás a “negligência benigna” no hemisfério e, sob Trump, já adota uma posição mais ostensiva de disputa geopolítica com a China, que avançou na região com a iniciativa Cinturão e Rota, também conhecida como a Nova Rota da Seda.

Um diagnóstico corrente no governo Lula é que as políticas de Trump para a região podem criar uma “crescente instabilidade” política nas Américas. Ele colocou em prática uma receita de deportações em massa, controle de rotas migratórias, combate ao narcotráfico, sanções aos regimes de esquerda (sobretudo Venezuela, Cuba e Nicarágua – batizada nos EUA de “tríade da tirania”) e tarifas comerciais. Com retórica ameaçadora, tenta forçar governos mais suscetíveis a romper relações com a China – como a ameaça de tomar o Canal do Panamá.

Os dois elementos mais claros e que atingem uma ampla maioria são as tarifas e as deportações. Exceto as ditaduras Venezuela (15%) e Nicarágua (18%), todos os demais países da Celac atingidos pelo tarifaço levaram o menor e mesmo patamar de 10% adicional sobre as exportações ao mercado americano. Mas não se espera uma resposta comum contundente. Ela não estava prevista, por exemplo, nos rascunhos da Declaração de Tegucigalpa, negociada previamente por diplomatas, como é praxe nos fóruns globais.

“Acho que (o tema das tarifas) vai ser tratado de alguma maneira É inevitável que seja mencionado nos discursos. Talvez tenha algum parágrafo na declaração, mas não vamos discutir só tarifas, mesmo porque os quadros são muito distintos de parcerias. Tem países como o Brasil que possuem um comércio mais equilibrado, outros como o México têm superávit, e outros têm um comércio muito pequeno. Para a Colômbia, os EUA são o primeiro parceiro, para o resto, não. As situações são bem distintas”, ponderou a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty. “Não vejo capacidade de unir todas as diferentes realidades e sair com uma coisa mais forte. Cada país tem a sua estratégia de como resolver.”

“A declaração em discussão tem compromissos reiterados, inclusive de outras cúpulas, com o funcionamento do sistema multilateral de comércio, com a ideia de um comércio justo. Mas o tema em si (tarifas), assim como questões específicas bilaterais não estão na pauta do encontro. A ideia é que seja um debate livre dos presidentes sobre as prioridades da região, sobre as preocupações”, disse a embaixadora Daniela Arruda Benjamin, diretora do Departamento de Integração Regional.

Donald Trump não tem um plano infalível

A razão para isso é a cisão política e a radicalização em diversos países, conforme avaliam integrantes do governo Lula. O Planalto atribui aos governos antecessores a “destruição” da institucionalidade regional, que agora o petista busca reativar, e a tentativa de criar novos órgãos substitutos como o ProSul e Grupo de Lima – logo abandonados.

Em 2020, o ex-presidente Jair Bolsonaro retirou o Brasil da Celac, que reúne 33 países da região. Uma das primeiras medidas de Lula foi retomar e voltar às cúpulas, em janeiro de 2023. Para um interlocutor do governo, é preciso reconhecer a ascensão de uma direita eleitoralmente viável e alinhar as expectativas do que pode ou não ser alcançado na Celac. Ele diz que não se pode esperar verdadeiros manifestos em favor da democracia e dos direitos humanos, em contraposição a Trump.

Segundo esta autoridade, a conjuntura de governos avessos à integração impediu a retomada do quadro institucional que vigorou até 2013 e a própria cúpula enfrentará dificuldades. Não se espera em Brasília a aprovação de documento algum com críticas fortes à política migratória de Trump – não somente por causa da dependência econômica de países centro-americanos que são alvos dela e temem retaliação, mas porque alguns concordam com a visão de Washington – vide El Salvador.

A reação de governos mais alinhados a Washington logo após o tarifaço também deixou claro a dificuldade de unidade. O argentino Javier Milei viajou aos EUA na busca de um encontro frustrado com Trump e disse que pretendia ajustar a legislação do país para se adequar às exigências do republicano. A “harmonização” de tarifas sugerida por Milei permitiria mais exportações de 50 produtos americanos e sinalizaria interesse em um acordo comercial, que poderia colocar em xeque o Mercosul.

Já o paraguaio Santiago Peña minimizou os impactos, disse que seu país estava “muito melhor que outros” no cenário, mais robusto economicamente e que o protecionismo “não é nada novo” e que o mundo já conseguiu suportar antes. Quase todos os países decidiram negociar bilateralmente, assim como o Brasil até aqui, e a fragmentação e o “bloqueio regional” forte de instituições que funcionam por consenso impede maior coordenação.

Questão migratória

Já a questão migratória é um tema permanente na Celac. Mas além de os fluxos de imigrantes serem muito distintos, a remessa de divisas também exerce papel importante nas economias de países centro-americanos e sul-americanos, e a realidade não é a mesma para todos. Em 2023, as remessas salariais de imigrantes latino-americanos e caribenhos somaram US$ 154,4 bilhões enviados dos EUA, conforme o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O México representa 41% do total com US$ 63,3 bilhões.

Na América Central destacaram-se a Guatemala (US$ 19,8 bilhões), Honduras (US$ 9,1 bilhões) e El Salvador (US$ 8,1 bilhões) em 2023. Na América do Sul, somente a Colômbia (US$ 10 bilhões) representou 34% no ano passado.

No caso das deportações, a situação é comum à maioria dos países, mas os números variam e os governos reagem de forma diferente – vide El Salvador, que aceitou até receber criminosos, inclusive de outras nacionalidades, que supostamente fariam parte de facções como o Tren de Aragua e a salvadorenha Mara Salvatrucha (MS-13).

As estimativas mais recentes do Pew Research Center revelam que 11 milhões de imigrantes não documentados vivem nos EUA. Os dados foram atualizados até 2022. A maior comunidade de imigrantes não autorizados segue sendo a mexicana com 4 milhões de pessoas. Para comparação, os centro-americanos em geral somam 2,1 milhões, além de 1 milhão de sul-americanos e 725 mil caribenhos.

Os países do Triângulo do Norte são os maiores emissores: salvadorenhos (750 mil), guatemaltecas (675 mil) e hondurenhos (525 mil). A Venezuela tem 275 mil. Brasil e República Dominicana têm 230 mil cada. Depois aparecem Colômbia (190 mil), Equador (140 mil) e Haiti (110 mil). Os latinos vivem especialmente na Califórnia (1,8 milhão), Texas (1,6 milhão) e Flórida (1,2 milhão) – sendo o último o Estado que mais cresceu de 2019 a 2022, com acréscimo de 400 mil imigrantes.

“Imigração é um tema que tem impacto econômico e social em todos os países da região, sejam países de entrada, de saída ou de passagem. O impacto específico das últimas medidas (de Trump) ainda está sendo avaliado por diferentes países em função, obviamente, das circunstâncias diferentes, para identificação de estratégias. Necessariamente, e muito possivelmente, não será uma estratégia única”, disse a embaixadora Daniela. “A mobilidade humana e o impacto que isso tem sobre as condições socioeconômicas e o desenvolvimento da região é um tema de preocupação central.”

Direita ausente

A divisão política dificulta a própria articulação. Em janeiro, a presidente hondurenha Xiomara Castro, de esquerda, tentou convocar uma reunião de emergência sobre deportações após a crise entre Trump e o colombiano Gustavo Petro. Paraguai e Argentina bloquearam, segundo diplomatas.

Agora, essas delegações dos presidentes de direita não devem se fazer representar em alto nível na cúpula hondurenha. Ao celebrar as confirmações, a anfitriã Xiomara Castro mostrou mais uma vez uma presença destacada dos governos esquerdistas, sem nomes relevantes da direita.

Além de Lula, estarão em Tegucigalpa Claudia Scheinbaum (México), Gustavo Petro (Colômbia), Bernardo Arévalo (Guatemala), Yamandú Orsi (Uruguai), Miguel Díaz-Canel (Cuba), Luis Arce (Bolívia), Ralph Gonsalves (São Vicente e Granadinas), Mark Anthony Phillips (Guiana) e Leslie Voltaire (Haiti). Em claro recado à ausência dos conservadores, a mexicana Scheinbaum destacou que a busca de “unidade” precisa ir “além do movimento progressista”, ampliando o leque de relacionamento.

Risco de instabilidade

Estrategistas do governo brasileiro enxergam a política trumpista para a América Latina muito influenciada por autoridades que dialogam com muito com a extrema-direita em detrimento de governantes. O “trio de ferro” de Trump é formado por Marco Rubio (Secretário de Estado) e por Mauricio Claver-Carone (enviado especial para América Latina e e ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento) e por Mike Waltz (Conselheiro de Segurança Nacional). Eles são vistos no governo brasileiro como mais combativos a ditaduras de esquerda e favoráveis a forçar mudanças de regime, por causa dos elos e interesses políticos mais imediatos ligados à comunidade de origem latina expatriada na Flórida.

Já o enviado de Trump para a Venezuela, Richard Grenell, é visto como alguém mais ligado à estratégia de conter a influência da China – e, para isso, aceita algumas concessões. Foi ele quem negociou um acerto com Maduro para liberar deportações em massa de volta a Caracas. Mas agora, na visão de uma autoridade federal, Trump começa a adotar mais uma lógica punitivista em relação a Caracas, defendida pelos três outros assessores.

O Palácio do Planalto e o Itamaraty avaliam que o começo do novo mandato de Trump apresentou uma agenda negativa para as Américas A longo prazo, pondera um embaixador, a receita poderia favorecer a China, que é o elemento de fundo a ser combatido pelos americanos a partir da Flórida.

Candidatura feminina para chefiar a ONU

O Brasil propôs também que os países aprovem em Tegucigalpa uma campanha unificada e apresentem uma candidata mulher para concorrer à sucessão do português António Guterres como secretário-geral da ONU. Lula deve defender essa proposta em discurso aos líderes da Celac. A eleição do próximo secretário-geral das Nações Unidas ocorrerá em 2026 e, pelo acordo informal, será a vez de a América Latina e o Caribe indicarem o candidato, segundo um acordo informal para haver rodízio entre as regiões do mundo.

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Há, no entanto, entraves à articulação de Lula. Um deles é a posição conflitante com governos de direita sobre a priorização da pauta de gênero. Uma amostra foi a atuação recente do presidente argentino Javier Milei, que buscou bloquear discussões e compromissos de gênero em fóruns como o G-20, a OEA e o Mercosul.

*Com informações de Estadão Conteúdo 
Publicado por Victor Oliveira 

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